28.1.12

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nunca pensei o mundo deixar
dizer adeus àqueles que não conheço
beijar as mãos brancas das freiras
abraçar os padres de coleira
e partir!

esquecer as palavras que conheço
apagar as luzes das terras crescentes
castrar os ponteiros dos relógios
derrubar árvores virgens e gemidas
apagar leis inteligentes
e partir!

por isso
dizer adeus não basta
por isso
prefiro partir
ser vagabundo
selar lábios meus
confortar meus olhos no descanso
contemplar meu corpo ao extase
ser indecente para toda a gente
glutinar corpos abandonados
baptizar corações pecadores
ter tentações na cama embalada
dar amor ao meu ser que chegou
perder o mundo. mesmo que me digas
NÃO!

alegrar bêbados tristes
fugir de pessoas lascadas
de inveja
regar a terra parada
abandonar as ruas vazias
dar som a guitarras
desafinadas
fechar portas a pessoas
cerradas

hospitalizar minhas feridas
sem dor
afugentar multidões escorraçadas
pela alegria
dar aos homens mentiras
verdadeiras
atirar pedras a inteligências
atrofiadas
comer com os pobres pão
e nada mais
dar vida a meu corpo
abandonado
desgraçar a miséria das prostitutas
abraçar ricos, pobres, homens e mulheres
brincar com crianças rotas
de amor
deixar sexuar as noites frias
de fevereiro
beber nas lágrimas perdidas
não amadas
correr por entre montes e vales
perdidos
não deixar que toquem no teu corpo
abandonado
dar aparência a meu retrato
mal esboçado
sufocar as amarguras das minhas noites
rezar para que D. Sebastião apareça
perdido
dar a pátria lusa a Camões
despatriado
parar o pânica  das ruas
despidas
ambalar teu corpo até ficares
cansada
dar razão a teu desejo quente
negar as guerras ardentes
dos homens
ouvir a melodia dos pássaros
selvagens
deixar que as nuvens se masturbem
sobre a terra
dar a luz fluorescente
aos perdidos
soar o hino aos homens violadores
pela maldade
queimar sombras de homens...
... que são por ser...
... HOMENS!

(publicado in A CAMINHO DAS DESCOBERTAS em 1992)